Ouvir a conversa alheia sempre foi um passatempo meu, seja no ônibus, na rua, em praças ou igrejas. Hábito muito divertido, recomendo a todos independente da idade, classe socioeconômica ou o caralho a quatro. Pois bem, adoro fazer isso em cidades que não a minha, e principalmente na cidade do Rio de Janeiro. As situações que surgem quando a gente anda por lá (ou cá, deveria dizer, já que estou escrevendo daqui), geram frases fantásticas de anônimos, como por exemplo, quando a garota (garota? mais parecia um peixe-boi) passa rebolante na rua e cruza olhares com um motorista de van: “morena, você é tão gostosa que eu não vou te chupar, vou te sugar toda!”, ou ainda um exemplo da cordialidade mal-educada do carioca, quando o carregador de cerveja mais experiente, irritado sob o sol nada ameno no centro da cidade vira para o mais jovem e diz com toda a ternura de uma britadeira: “cala essa porra dessa boca e bota essa merda aí. Depois você fala”. E acaba em risada. Porra, acho fantástico de verdade (isso me lembra uma conversa sobre tipos de atitudes quando as pessoas ficam realmente irritadas, ou trazendo pro popular, “putas pra caralho”. Na maioria das vezes acaba gerando situações engraçadas, menos pro irritado, o que infelizmente se aplica muito frequentemente à minha situação).
caralho!
Pois bem, outra coisa que também me diverte é observar, sem necessariamente fazer nenhum julgamento sobre o que estou olhando simplesmente me divertindo com o que me é inusitado ou simplesmente me chama a atenção por um motivo ou outro. Nessa manhã, especificamente, resolvi dar um rolé pelo centro da cidade (na verdade pensei até em ir à zona sul, mas deixei pra outro momento). Aproveitando a aparente calma do horário saí andando sem rumo, e como de costume, me perdi. Perguntei a um cidadão qualquer pra que direção ficava a Lapa, e a resposta não poderia ser outra além de: “Lapa?! Porra, cê tá longe pra caralho!” (esses cariocas deveriam aprender com mineiros o que é longe de verdade), e me indicou o caminho cheio de diagonais, ruas sem saída, um ou outro eventual travesti e alguns maloqueiros não muito bem encarados mas que nem quiseram chegar perto. Normal. Aí então me deparei com uma coisa que todo mundo sabe que existe e ninguém enquanto guia turístico me levou até lá:
"putaquepariu!" descreve muito bem minha reação quando vi pessoalmente pela primeira vez.
(Agora o texto fica piegas até o próximo parágrafo, se não quiser ler, pule!)
Sério, fiquei embasbacado. Cada pequeno detalhe daquela escada parecia estar perfeitamente colocado onde realmente deveria, e ainda assim, parecia um grande puxadinho artístico com restos de obra de banheiro. A escadaria me deu um nó na cabeça tão grande que eu mal conseguia falar, só tirar fotos de alguns detalhes e continuar observando. A wikipedia diz que “a Escadaria do Convento de Santa Teresa (também conhecida como Escadaria do Selarón), liga o final da Rua Teotônio Regadas, no bairro da Lapa, ao Convento de Santa Teresa, no bairro de Santa Teresa (N.E.: DUH), no Rio de Janeiro. A escadaria teve, em 1994, por ocasião da copa do mundo de futebol de 1994 (N.E.: só “copa do mundo” bastaria, talvez quem sabe “daquele ano”), seus 215 degraus e 125 metros decorados com mais de 2 000 azulejos diferentes, provenientes de mais de sessenta países. Desde então, os azulejos são permanentemente trocados, utilizando-se de azulejos que são remetidos ao artista por fãs do mundo inteiro. Isso dá um caráter orgânico e mutante à obra“.
Orgânico e mutante é pouco, aquela escada é um órgão pulsante, cheio de vida no meio da “cidade mais bonita do mundo”. Não posso dizer que chorei de emoção porque uma coisa bem inusitada aconteceu logo depois:
Hola, que tal? De onde és?
Não é que o cidadão estava lá presente, pintando uns azulejos de branco, sussa, de boa na lagoa com essa bermudinha vermelha e esse casal de paulistas olhando? Tive que parar na hora e sentar lá pra trocar uma ideia também. Porra, valeu à pena demais. O artista tava ali falando de sua visão sobre o trabalho, sobre sorte, e o (não) mais importante: como aquele calor estava TENSO.
Conversa vai, conversa vem, aquela pasmaceira toda e o paulista me solta: “mas a escada ficou muito famosa com o clipe do Snoop Dog não é?”
Rapaz, pensei que o velho ia ter um enfarto.
O rampante de fúria em um portunhol muito do caricato foi a coisa mais divertida que eu ouvi nessa última semana. Selarón é um artista e tanto, não tenham dúvidas, mas me parecia que era Salvador Dalí com seu ego maior do que três (talvez quatro) universos que despejava palavras e insultos naquele momento. “Meu trabajo é reconhecido en el mundo todo, está nos maiores guias turísticos del mundo, e (a melhor parte pra mim, pelo absurdo de destoante) ATÉ CSI MIAMI JA FOI GRAVADO AQUI EN LA ESCADARIA!” HAHAHAHAHAHA OH MEU DEUS! Nessa hora não consegui conter a risada, mas ao contrário do que eu esperava, ele abaixou o tom e começou a ser (mais) simpático. Acho que percebeu que também é globalizado. Daí começou a citar também sua visão pessoal sobre a mídia, e dividiu algumas histórias com a gente, antes de levar todo mundo pra visitar seu ateliê, logo ao lado de onde ele estava sentado. Dentre as histórias, a frase que dá título a esse post, e sua postura quase que totalitária sobre a inutilidade da mídia de massa brasileira. É, aquela prepotência que a gente ouve dessa galera das artes, nada demais. Deixa entrar por um ouvido e sair por outro.
Negras grávidas são recorrentes na obra de Selarón, isso quando não têm o rosto dele acima do pescoço
O ateliê era bem pequeno, no porão de um velho sobrado adjacente à escadaria. Não pude tirar fotos lá por causa dos originais que ele tinha no local, alguns ainda inéditos para exposições (segundo ele). Uma vendinha ficava no final, onde uma espécie de basculhante servia de ponto de observação para chamar turistas mais incautos. Nesse meio período vi americanos, uma italiana muito mal-educada, uns três ou quatro canadenses e o casal paulista entrando no recinto. Pelo jeito decorar escadas é bonito, mas não paga o leite das crianças, e acabei prevendo o que viria a acontecer em seguida: “esse aqui é vinte, this one is fifty reales, e uma incrível (porém desnecessária) exposição de fotos dele com figurões dos enlatados americanos, da música e das artes em geral. Os americanos ficaram bem satisfeitos em ver os astros de CSI e levaram uns 2 quadros de 50 paus. Fiquei observando o ateliê por mais alguns momentos, e o lugar esvaziou. Selarón tirou umas fotos com os turistas e voltou pro seu porãozinho, e me falou uma coisa que me fez gargalhar:
“esse és cinquenta, mas pode levar por vinte.”
FILHA DA PUTA
Levei 3.
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